sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O Carro Sem Direção

          Às vezes tenho a sensação de que estou num carro dirigindo sobre uma estrada tortuosa e difícil. Está chovendo, está escorregadio. O carro desliga para lá e para cá. Não importa o quando eu aperte os freios ou gire o volante. O carro não me obedece mais. Estou sem direção agora. Só ladeira a baixo. Essa é a história da minha vida. Eu perdi meu controle e direção há um bom tempo já. Não tenho mais estrada ou caminho. Seja em terra, seja em mar, não há bússola para me guiar. Estou à deriva.

Você já se perguntou quando sua vida saiu dos trilhos, quando tudo aconteceu diferente de tudo que você já imaginou? Achamos que conhecemos a vida o suficiente, mas está errado. Não sabemos de nada. Tudo que nos fora contado são lendas que logo caem por terra quando saímos da terra dos sonhos. Não sei por que estou escrevendo isso. Será que porque talvez amanhã é meu aniversário? Puta merda, eu vou fazer vinte e seis anos. Estou à beira dos trintas. Que sensação horrível é essa de não se reconhecer, não é mesmo? Onde está seu eu antigo? Onde estão seus sonhos inabaláveis? Muito se perdeu, mas muito também ainda continua aqui.

Qual seria seu desejo mais profundo? Acho que um mundo sem desejo, porque então seria um mundo sem dor. Sofremos porque desejamos. A não concretização do desejo leva à dor. Todavia faremos o possível e impossível para que nossos desejos mais profundos sejam realizados. Os nossos desejos mais profundos guiam os nossos desejos superficiais. Nem tudo que fazemos é o desejo, mas um meio para chegar a ele. É como camadas. Vamos passando por etapas até chegar ao real destino: aquilo que nos guia. Mas isso se perde quando não sabemos mais como chegar lá, quando não sabemos mais o que fazer para conquistar aquilo. É aí que chega o sentimos de fracasso e impotência: somos pequenos.

Não podemos ser o que queremos, nem ter.

Diante de tudo aquilo que sobra após o fracasso, é isso que resta ao ser humano. Transformar sua dor e sua perda em algo grande e bonito. É fazer do seu lamento a sua arte, do seu choro o seu hino e da sua tragédia o seu legado. Não há alternativas para além disso. Podemos escolher passar o resto da vida se maldizendo ou pegar os pedaços incontáveis do coração e fazer deles pedras preciosas. Não estou romantizando o sofrimento nem a ruína. Eu odeio romantizações. Mas podemos escolher em apelar para o destino misericórdia e graça ou ir contra ele. Eu vou contra ele. Contra o rumo natural e previsível das coisas. Já que agora estou sem direção, vou fazer meu próprio caminho. Vou na contramão da vida, em oposição a tudo aquilo que aprendi. Vou na direção agora das minhas próprias verdades. Para quem não sabe aonde ir, qualquer direção é caminho, mesmo as mais improváveis

terça-feira, 19 de maio de 2020

Por que eu escrevo

Sempre que tento ser mais artístico e poético ao escrever eu falho miseravelmente. Na verdade, eu tenho dificuldades em escrever nos conformes técnicos. Além de que é muito clichê.

Mas eu também me questiono por que escrevo. Creio que seja porque eu tive vontades em minha vida que não foram completamente atendidas, daí eu coloquei minha ansiedade nas letras. Eu escrevo porque minha vida é como um pássaro numa gaiola, se debatendo; e que, na impossibilidade de rasgar os céus, desenhou seu voo num papel e usou a palavra que o fizesse. Eu escrevo porque se não for a palavra, eu estarei perdido em mim mesmo e não terei para onde ir: a palavra cria portas, faz pontes. Eu escrevo porque tudo que eu pedi a deus não me fora atendido e, como consequência, inventei minha realidade. Eu escrevo porque agora há pouco estava sofrendo sem razão – ou por razões abafadas -, mas ao vir aqui debulhar letrinhas acho que talvez eu encontre paz e uma possível saída nos meandros das frases, sílabas e períodos. Eu escrevo porque não há ninguém para conversar no momento. Eu escrevo porque já se esgotaram as preces e deus já deve estar deveras incomodado com orações repetitivas. Eu escrevo porque quero me comprometer, porque quero sentido, responsabilidades; mas ao mesmo tempo quero ser livre para escrever quando e o que eu quiser. Eu escrevo porque desde criança eu gostei de escrever e aos 15 anos eu tive um diário. Eu escrevo para me consolar, porque eu releio meus textos e eles falam sozinhos, pois possuem sua própria personalidade: são cartas de mim para mim. Eu escrevo porque tenho a superstição de que a realidade será alterada pelos meus textos. Eu escrevo para que alguém leia essas palavras e me mande uma mensagem agradecendo por eu lhe ter salvo a vida, pelo menos naquele momento. Eu escrevo porque a esperança é reescrita quando eu quero. Eu escrevo porque agora mesmo estou tendo uma experiência culminante, onde a vida em sua mais profunda manifestação se faz viva e clara dentro de mim. Eu escrevo porque algo pede que eu o faça: eu preciso sobreviver. Eu escrevo porque a realidade é muda: eu preciso dar voz ao mundo. Eu escrevo porque tudo que eu já tentei ser deu errado, mas a escrita é a única coisa que a vida não me pode negar. Eu escrevo para não morrer: guardar as palavras é algo mortal. Eu escrevo porque há milhões de anos os dinossauros existiram, porque um ovo tem sentimentos e porque o mundo foi criado segundo os princípios da dor e que com ela temos uma dívida. Eu escrevo porque já fui longe demais até aqui e já estou distante de tudo que me faz uma alma humana. Estou à beira de descobrir o mistério do mundo e resolver todo esse problema como numa revelação divina. Eu escrevo porque quando eu morrer ainda haverá uma parte de mim que vive e que não se pode matar. Eu escrevo porque a solidão é como uma queimadura de óleo quente que é aliviada com água fria, mas que em seguida volta a arder. Eu escrevo porque quero deixar claro quem sou, mas nem tanto, porque não se pode saber quem se é com clareza: o eu é turvo e embaçado, somos assim. Eu escrevo porque sei que você também busca uma palavra ou um verso que te diga o que fazer com sua vida a partir de agora. Mas eu sinto muito, eu não posso te ajudar nem me ajudar. Eu não sei o que fazer comigo mesmo, sou uma pessoa perdida, sem bússola, sem orientação. Eu escrevo porque eu sei que escrever, por hora, é tudo que tenho; é tudo que sou.


domingo, 17 de maio de 2020

Reflexões sobre meu diário de 2010

    Outro dia, eu estava folheando meu diário antigo de 2010, quando eu tinha 15 anos, e que durou até 2014, ano em que eu estava com 19. Havia tantas coisas bobas, típico de uma mente adolescente, é claro. Eu ri muito pelo conteúdo ridículo e cômico muitas vezes. Porém, a gente muda muito e não dá pra dizer ao certo o porquê disso, pois minha vida sempre se manteve nas mesmas condições por muito tempo; mas suponho que a mudança seja uma necessidade intrínseca do ser humano. Tudo muda. Nada é, tudo está.
    No entanto, é interessante observar como algumas coisas são difíceis de se desvencilhar. Alguns traços a gente carrega conosco até não sei quando. Parece que muitas das coisas que nos são negadas ficam lá no fundo da alma sepultadas e esquecidas, como num cemitério, mas sempre clamando por serem ouvidas e ressuscitadas, com um grito meio abafado pela vergonha de ser. Mas elas são e estão lá, mesmo que as neguemos.
    Há coisas que ainda busco, é claro. Mas acho que não convém falá-las aqui. É muito denso, difícil de dizer... Mas eu gostaria de deixar um escrito do meu diário, que data de 21 de Agosto de 2013:

É preciso falar o que se sente para não enlouquecer. Eu aprendi isso hoje. Talvez seja por isso que as pessoas oram: não por que acreditam que exista deus, mas porque precisam desabafar...
Em algum lugar, em um exílio nos confins da terra, há alguém que fala sozinho, que clama por ser ouvido...
Há um grito oculto em cada ser que respira
Há uma pergunta não respondida
Há uma melodia não concluída
Há uma ponte inacabada
Há uma frase encerrada
Uma saudade reprimida
um desejo profundo e oculto
Há uma chance negada, uma paz roubada
E há também sentimentos inestimáveis que não se podem transcrever.
 
É isso, gente. Valeu.
 
 
 
 
 

domingo, 23 de fevereiro de 2020

A felicidade que eu quero

Eu tomei uma decisão hoje em minha vida, depois de uma autorrevelação do mais profundo do ser. Eu decidi imaginar a minha felicidade e vivê-la. Mas isso não seria fugir da realidade? Não. O fato de ser imaginado não quer dizer que não exista. Se eu existo, eu imagino. Minha imaginação existe. Sem contar que nossos pensamentos coordenam nossas ações, e estas, por conseguinte, modificam a realidade.

Mas me deixe contar como eu quero ser feliz.

Eu quero uma felicidade daquela exagerada, porém suficiente. Sim, com todo esse paradoxo. 
Eu quero uma felicidade adiante e além, daquelas que a gente não achava que existia.
Quero a felicidade do desconhecido, do primeiro encontro, da primeira sensação da descoberta do mundo.
Quero uma felicidade daquelas de doer no peito, de tão grande, de tão satisfatória, de tão plena, única e insubstituível.
Quero a felicidade dos dias cinzas e azulados, aqueles que quando chove dá uma vontade de se recolher e mergulhar em si mesmo.
Eu quero a felicidade da solidão, do vazio, do nada, do oco, do vácuo, porque a solidão é uma condição humana, e tem dias que tudo que nos resta é o nada, e é aí que a felicidade é testada: ser feliz é também abraçar a própria solidão.
Eu quero a felicidade do fim, porque tudo que traz felicidade tem um fim e aceitar isso é ser feliz.
Eu quero a felicidade da saudade, porque eu sei que o que passou foi bom.
Quero a felicidade da imperfeição: a felicidade é imperfeita.
Quero a felicidade daquilo que eu sinto mas que ainda não sei dizer, daquilo que está dentro de mim, que estou gestando, que é inefável. Existem coisas no nosso interior que ainda somos incapazes de dar nome, nem a psicologia tem competência para isso.

Espero que um dia eu possa reler tudo isso e me orgulhar de ter vivido assim. Mas talvez nesse momento eu já tenha uma outra ideia de felicidade. Minha felicidade é um reticência: adiante e além... Já não basta escrever, é preciso viver, mentalizar, fazer disso uma ideologia, uma religião: a felicidade. No entanto, tudo isso pode não passar de uma vontade rarefeita que o mundo e a vida apagam num sopro mínimo. Não importa, eu já fui feliz por saber o que quero, mesmo que de forma imprecisa. Ser feliz é algo self, de si mesmo, algo que vem da gente, que parimos. É o nosso fruto que oferecemos ao mundo e a nós mesmos, e depois o comemos. Mas a minha felicidade sempre será clandestina, fora da lei, porque eu exijo muito da vida. E ela também exige muito de mim.








quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Saudades do passado que não tive e do futuro que não sei se terei

Falar de saudades, para mim, é complicado. Eu de fato gostaria de ter algo em mente que me dê saudade genuína, mas sobra pouca coisa quando vasculho meus pensamentos. Eu suponho que a saudade seja um cantinho carinhoso em que guardamos nossas relíquias. Eu realmente gostaria de abrir essa provável gavetinha e achar coisas que guardei com zelo e cuidado, mas sempre que verifico, ela está vazia.

A verdade que vou dizer é dura, nua e crua, assim como quase tudo em minha vida: eu sinto saudades de um passado que não vivi e de um futuro que não sei se terei. Parece um paradoxo intencional, e é. Eu sempre quis, quando criança, viver algumas coisas que não me atrevo a expô-las por motivos de melindrosidade devido a intimidade ser profunda, e também porque não quero parecer frágil ou vulnerável aos olhos de certas almas pequenas que venham a me ler. Mas posso dizer que há lacunas e espaços vazios em minha vida que repercutem até hoje.

Sempre fui uma criança que vivia de querer. Eu desejava muito, mas mal dava tempo de eu conceber um desejo, a vida já me dava um grande não. E foi assim por muito tempo e é até hoje. Não quero ser ingrato com a vida, afinal, como bem falou uma amiga, "seja grato, a vida poderia ser pior", e eu não retiro um pingo de razão dela. Mas é que para mim, que sempre tive, ainda que latente, um grande desejo de liberdade voraz, sempre me pareceu angustiante que me podassem as asas e me cerceassem o voo. Eu nunca consegui lidar muito bem com a impotência humana intrínseca, de querer algo e não poder...

E assim eu cresci e vi minha vida passar totalmente ao contrário do que um dia pretendi. E é daí que vem essa saudade paradoxal, da incompletude ou da não realização de algumas fases da vida. É como se tivesse me amputado algum(s) membro(s). E sempre que recorro às minhas memórias, me questiono com o "se". E se eu tivesse vivido aquilo? E se aquilo tivesse dado certo?

Diante de tudo isso, eu sou feliz? A questão não é felicidade, eu não acredito nela. Quem é feliz de verdade? Todas as pessoas, em maior ou menor grau, tiveram de abrir mão de algo e deixar muitas coisas para trás. Felicidade é um mito muito bem construído, como se nascêssemos com um manual ou mapa da vida e já soubéssemos o que vai suceder, como se a vida fosse um processo linear e assertivo. Grande engano, a vida é um caminho tortuoso, traiçoeiro e incerto.

Mas não quero que pense, querido leitor, que minha intenção é deixá-lo triste. Eu não escrevo pra isso. Mas também não escrevo pra fazer ninguém feliz. Eu escrevo sobre minhas verdades, que talvez sejam duras ou intragáveis para muitos. Eu só queria dizer que minha saudade do que não vivenciei se traduziu numa saudade inversa e se projetou num futuro que não sei se é possível. Porque as faltas que carregamos em nós não se silenciam, mas continuam repercutindo até serem ouvidas.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Sonhos errados

Acho que deixei muita coisa para trás. Muito do que sonhei, talvez hoje já não faça tanto sentido. Algumas coisas deram certo, quando não deveriam; outras deram errado quando deveriam dar certo. A vida é contraditória. Ou seria eu ingrato demais a ponto de não perceber que a vida me trouxe exatamente o que pedi, mas num momento em que meu coração já estava frio?
Os sonhos mudam; a gente amadurece. Muita coisa se desgasta. O sonho que antes era tudo em minha vida, hoje não me veste mais...
Na verdade eu estou mentindo. Todos eles ainda fazem muito sentido para mim, eles são parte do que sou (embora incompleto) e me trouxeram até aqui. Eu tive que abrir mão dos meus sonhos porque nem tudo, como sempre, depende exclusivamente da gente. Mas, sobretudo, porque às vezes é preciso que sejamos honestos com nós mesmos: muitas vezes, não somos bons naquilo que queríamos. E também aquele sonho talvez não seja aquilo que a gente pensa que é.
Eu gosto muito de um filme chamado Frances Ha, que é homônimo da protagonista. Ela é uma jovem que sonha em ser bailarina, mas que tem pouco talento e é muito pobre. Sua vida tem tudo para dar errado, mas é o errado que dá certo. Seu erro é o seu talento.
Eu queria ser como ela nesse sentido, queria encontrar na minha imperfeição o contentamento do encontro comigo mesmo. Queria saber como é a sensação de saber fazer o que se gosta de um jeito despreocupado, torpe e humano. Talvez eu consiga, ou hoje, ou amanhã, ou nunca. Tanto faz.
Talvez, quem sabe, o que me falta é o sonho certo e eu esteja sonhando errado até agora. Sonhar é, antes de tudo, estar acordado. E se você não acordar, a vida dará um jeito. Não gosto muito do jeito dela, porque não é gentil, mas ela sempre faz.
A gente precisa viver antes de sonhar. Não se pode abdicar de viver. É nossa obrigação viver.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Amor Gratuito

Eu ouço falar em amor gratuito desde muito pequeno. Gratuito deriva da palavra graça, que, por aferição, entende-se aquilo que é concedido a alguém sem que este faça algo para merecê-lo, sem esforço, algo dado espontaneamente. Na igreja, quando eu ainda era teísta, ouvíamos muito nas escolas dominicais a palavra graça. Uma vez, o reverendo perguntou o que significava e, corretamente, alguém respondeu “favor imerecido”. Eu guardei aquilo comigo. Não sei por quê. Achei bonito essa coisa de favor imerecido, de algo ser nos dado sem que tenhamos que pagar por isso ou passar por uma via-crúcis para alcançá-lo. A ideia, por si, é bonita.
Antes de escrever isso, eu estava pensando no que é preciso fazer para ser amado. Já fiz coisas para tentar chamar a atenção de alguém, o que eu supunha ser preciso para ser “amado”. Eu nem ao menos sei direito o que é amor e acho que nunca saberemos, mas mesmo assim tentei que essa graça me alcançasse, sem esforço, pura e simplesmente pelo favor gratuito de ser-se, e sendo-me, ser amado pelo que sou.
Não sei se isso é possível. O amor exige coisas de nós. Coisas que na maioria das vezes estão fora do nosso alcance. É a partir daí que o amor já não é mais gratuito, quando nos sentimos insuficientes, pequenos e fracos. Parece que não podemos pagar para ter o algo, e até no amor quem tem mais leva a melhor. É a lei da oferta e da procura, nem todo mundo pode pagar pelo amor, e não pagando, não o obtém. A solidão é ardilosa e bate à porta cobrando o amor que você não tem.
Amor é ligar, é se importar; querer que o outro faça parte. É sentir falta, fazer questão. Do contrário, é indiferença. E só os mortos são indiferentes porque eles não podem sentir nada...
Hoje estou um pouco cansado e estressado com tantas coisas. Mas, sobretudo, estou cansado da estrada da vida. E da falta de amor... Eu não queria ter que pagar por isso, não queria ter que carregar o mundo nas costas e trazê-lo para alguém, nem ter que provar nada. Só queria, quem sabe, chegar em casa à noite e receber uma mensagem, um convite, de alguém dizendo que se importa, que me percebe, que me conhece, que me distingue. Isso, sem que eu precise dar-lhe nada além do que eu sou: um amor gratuito.