Eu
estou um pouco impaciente hoje. É um dia terrível e brando ao mesmo tempo. A
realidade é algo subjetivo. Existem vários mundos. Cada um tem o seu. E tem
gente que não tem mundo e vive perdido, como eu. Tem gente que não sabe o que
é. Talvez porque de fato ninguém saiba o que é. Minha amiga está me
atrapalhando neste exato momento e eu me dou ao luxo de ser interrompido.
Voltei, enfim. Bem, eu estou aflito hoje, mas com uma aflição consciente. Isso
é melhor do que se espera, pois, pior do que sofrer é não saber por que se
sofre. E eu sei. E isso é um assunto meu. Mas eu não estou triste e nem sou uma
pessoa triste. Eu sou eu, até onde sei e me conheço bem (quase bem).
Eu
estava me perguntando por que eu escrevo. É que eu estava impaciente – eu estou
ainda – porque não tinha ideia do que escrever. E então surgiu essa questão. Eu
não tenho a pretensão de escrever para ser entendido, eu escrevo para me
entender. Entender-se é tarefa difícil, porque caímos nesse planeta e nem ao menos
sabemos de onde viemos. Qualquer coisa que queira explicar é especulação. É
tudo muito complexo. Até uma colher com que se adoça o café é algo complexo.
Não se sabe por que o café fica doce, nós aceitamos a doçura sem que precise
ser entendida, pois é boa.
Estou
pensando em que título dar a isso. Qualquer coisa serve, porque isto não foi
pretendido: foi sentido. E eu gosto daquilo que não se tem nome, nem face, nem
pretensão. Daquilo que chega desavisado, como uma graça vertical que nos enche
de prazer e incompreensão. A vida é uma grande incompreensão. E ainda não se
sabe se somos nós que buscamos entender a vida ou a vida que busca nos
entender. A vida é um grande enigma. Eu queria entender a vida, mas ela também
quer me entender. Eu gostaria de alcança-la, no entanto ela não me encontra
também.
Se
eu pudesse escolher outra vida, eu de fato não saberia o que escolher. Porque
eu ainda não sei quem eu sou e a que pertenço nesta atual vida. E também não
haverá outra. E eu não entendo por que eu sou necessariamente eu e não um
sul-africano de um metro e meio de altura que toca flauta. É tudo muito
indefinível e perigoso. Viver é perigoso, tem-se um momento de descuido e pêi: de repente há uma vida ali. E a
vida é tão egoísta e mesquinha: ela não pergunta se queremos nascer. Ela é um
parasita intracorpóreo e precisa desesperadamente de alguém para viver dentro.
A vida também vive e ela precisa de nós para viver, porque a vida sem nós está
morta. E a morte da vida é algo fatal: não se pode mais trazer a vida à vida.
Só a morte é imortal e ela é maior que a vida, pois ela não morre. E tudo que
se faz na vida é para escapar da morte. A morte é poderosa, pois é eterna e a
vida é fraca porque é curta. No entanto, a morte precisa da vida para ser
morte. Não, claro que não. O que se tem antes da vida também é morte: morte é
não existir. Mas se há vida, haverá morte e a morte é um paradoxo inexplicável:
ninguém pode falar da morte porque não a conhece e quem a conhece nunca a
conheceu, pois já morreu. A morte transcende o universo e cruza os séculos. A
morte estava aqui antes de tudo e sem pretensão de nada. A vida então apareceu
para dar pretensão a morte: matar. Das duas, a morte é a mais gentil: a morte
não nos usa; a vida, sim. E eu acredito que depois da morte não se tem nada
além da morte: um grande silêncio. A morte é a falta de sentido da vida: ela
não oferece castigos nem recompensas. Viver não implica na morte. Viver implica
na vida. A morte não tem nada a ver com isso.
Se
eu pudesse escolher um lugar para morrer, escolheria o Egito. Lá, suponho que a
morte seja mais valorizada. Acho que tem alguma afeição na mumificação. E em todas
as lendas que rodeiam o ato de morrer. Ato não, fenômeno.
Não
pensamos na morte, mas... também não pensamos na vida. Tudo é não pensar.
Trata-se de acontecer, acontecimento. Estamos sendo pegos de surpresa pela vida
e pela morte. Nem dar-se contas e já estar-se vivo; nem dar-se conta e já
estar-se morto. É um evento que se passa despercebido. De repente viveu-se. E
morreu-se.
“A vida é puro ruído entre dois silêncios
abismais. Silêncio antes de nascer, silêncio após a morte.” (Isabel
Allende)
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