Era
uma tarde cálida, por volta de umas 17 horas. Eu caíra no sono como quem é
acometido por uma doença instantânea ou por um feitiço. Não me dei conta de
minha morbidez. O suor molhara o forro da cama e eu estava cheirando a suor: eu estava vivo!
O
sono prosseguiu vazio, sem intuito, apenas um estado fisiológico normal. Mas o
que se seguiu após ele foi o que se distancia da mais pura normalidade. Eu tive
a graça da percepção da vida. Os lençóis úmidos, o cheiro de gente viva, o
calor infernal e os sons da urbanidade pareciam a cena inédita de quem adentra
no desconhecido: eu estava vendo a mim diante do mundo.
Num
primeiro momento, pareceu natural ver-se como tal. Nada era mais que óbvio. A
rotina monótona e a sede do sentido das coisas já não me causavam excitação. Eu
já havia entregado o destino ao destino e aceitado aquilo que não posso mudar.
Mas... Havia algo a mais, algo que não sei dizer com palavras, porque parecem
poucas para descrever a sensação do choque diante de tudo que é grande.
Não,
não aguentei. Levantei-me daquele poço de suor em que me encontrava, fui à pia
do banheiro e decidi lavar o rosto. Eu precisava. Talvez passasse. Era só uma
ressaca – mas eu não bebera (?). Não, não. Era cansaço. Cansaço e estresse;
pesares do dia a dia. Eu estava lutando comigo mesmo para entender o que não
pode ser entendido por uma mente humana. Era uma incógnita. Eu, que sempre fora
ruim em matemática não poderia jamais saber da incógnita com que acordara. Sim,
eu estava condenado a viver sem respostas para sempre. E isso é a melhor
definição para solidão: não saber. Ou saber que nunca saberá. Isso é demais pra
mim! Logo eu, que sempre detestara a ignorância de mim mesmo estava com um rolo
a desenrolar em minhas mãos.
Eu
abandonei aquela guerra inútil e fui tomar um café. Fiz café preto e forte. Tão
preto que quem o bebesse diria que pus petróleo. Não. Pus raiva mesmo. Eu
queria beber a raiva. A raiva de não saber. E digerir toda aquela raiva a fim
de saber o que ela teria a me ensinar. Mas, eu já sabia que a raiva não ensina
nada a ninguém. Talvez a dor que a raiva traz ensine, mas a raiva por si só é
incapaz de ensinar.
Depois
de todo aquele calor começou a cair uma chuva incompreendida. Por quê? Estava
quente e agora faria frio. Eu já não compreendia mais nada. E havia baratas
enquanto chovia. Aqui tem muitas baratas. E pareceu uma resposta... As baratas
vivem há milhões de anos. Dizem que estão aqui desde ou até antes dos
dinossauros. Elas viram o mundo nascer e morrer várias vezes. Elas sabem de
coisas que não sabemos. Elas têm as respostas que poderiam pôr fim às guerras e
às nossas angústias. Mas é impossível falar com uma barata - eu já vi um filme
que um homem falava coma as baratas. Então passei a ter inveja das baratas:
elas sabiam demais. Afrontavam a minha ignorância. Aí pensei em mata-las.
Mas... Não, não! Isso é terrível. Não se mata o que não se entende. É isso que
os bárbaros faziam na idade média: matavam quem detinham o entendimento. E isso
não farei. Não matarei o que não entendo. Dessa forma, estaria morrendo pela
minha própria ignorância.
Depois
abandonei as baratas e olhei a chuva que caia sobre a janela. Havia trovões
também. E a única coisa de que me lembro é que eu tinha medo. Não, não medo dos
trovões. Eu tinha medo daquilo que pode gerar medo: a vida. Só sente medo
aquele que está vivo. Sim, eu tinha medo do perigo, porque viver era perigoso e
grande e eu senti o medo de se estar diante daquilo que é grande.
Aquilo era demais
para mim. Abandonei meu café, joguei a xícara na pia com impaciência e medo e
voltei ao meu quarto. Não havia como sair, a chuva não permitiria. Eu fiquei
preso em casa e comecei a ler. E a pensar como seria se eu tivesse nascido
noutro corpo, noutra era, noutro país... Talvez eu não fosse eu. E eu não sei a
sensação que isso teria. E também não sei por que eu sou eu. É tudo demais para
mim
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