quarta-feira, 11 de julho de 2018

Amor Gratuito

Eu ouço falar em amor gratuito desde muito pequeno. Gratuito deriva da palavra graça, que, por aferição, entende-se aquilo que é concedido a alguém sem que este faça algo para merecê-lo, sem esforço, algo dado espontaneamente. Na igreja, quando eu ainda era teísta, ouvíamos muito nas escolas dominicais a palavra graça. Uma vez, o reverendo perguntou o que significava e, corretamente, alguém respondeu “favor imerecido”. Eu guardei aquilo comigo. Não sei por quê. Achei bonito essa coisa de favor imerecido, de algo ser nos dado sem que tenhamos que pagar por isso ou passar por uma via-crúcis para alcançá-lo. A ideia, por si, é bonita.
Antes de escrever isso, eu estava pensando no que é preciso fazer para ser amado. Já fiz coisas para tentar chamar a atenção de alguém, o que eu supunha ser preciso para ser “amado”. Eu nem ao menos sei direito o que é amor e acho que nunca saberemos, mas mesmo assim tentei que essa graça me alcançasse, sem esforço, pura e simplesmente pelo favor gratuito de ser-se, e sendo-me, ser amado pelo que sou.
Não sei se isso é possível. O amor exige coisas de nós. Coisas que na maioria das vezes estão fora do nosso alcance. É a partir daí que o amor já não é mais gratuito, quando nos sentimos insuficientes, pequenos e fracos. Parece que não podemos pagar para ter o algo, e até no amor quem tem mais leva a melhor. É a lei da oferta e da procura, nem todo mundo pode pagar pelo amor, e não pagando, não o obtém. A solidão é ardilosa e bate à porta cobrando o amor que você não tem.
Amor é ligar, é se importar; querer que o outro faça parte. É sentir falta, fazer questão. Do contrário, é indiferença. E só os mortos são indiferentes porque eles não podem sentir nada...
Hoje estou um pouco cansado e estressado com tantas coisas. Mas, sobretudo, estou cansado da estrada da vida. E da falta de amor... Eu não queria ter que pagar por isso, não queria ter que carregar o mundo nas costas e trazê-lo para alguém, nem ter que provar nada. Só queria, quem sabe, chegar em casa à noite e receber uma mensagem, um convite, de alguém dizendo que se importa, que me percebe, que me conhece, que me distingue. Isso, sem que eu precise dar-lhe nada além do que eu sou: um amor gratuito. 

sexta-feira, 9 de março de 2018

O que é a vida?

A vida é um acometimento, uma tragédia. Um grande acidente. A vida é antes que alguém o diga. Ela se impõe. A vida é egoísta: não te dá escolhas. A vida é uma condição subjetiva. A vida não é o que se diz dela: antes disso, ela já o era. E se a vida não é eterna, qual o sentido da vida? A vida não tem sentido, ela é pra ser sentida, no entanto. 

quinta-feira, 8 de março de 2018

Impaciência, vida e morte


Eu estou um pouco impaciente hoje. É um dia terrível e brando ao mesmo tempo. A realidade é algo subjetivo. Existem vários mundos. Cada um tem o seu. E tem gente que não tem mundo e vive perdido, como eu. Tem gente que não sabe o que é. Talvez porque de fato ninguém saiba o que é. Minha amiga está me atrapalhando neste exato momento e eu me dou ao luxo de ser interrompido. Voltei, enfim. Bem, eu estou aflito hoje, mas com uma aflição consciente. Isso é melhor do que se espera, pois, pior do que sofrer é não saber por que se sofre. E eu sei. E isso é um assunto meu. Mas eu não estou triste e nem sou uma pessoa triste. Eu sou eu, até onde sei e me conheço bem (quase bem).
Eu estava me perguntando por que eu escrevo. É que eu estava impaciente – eu estou ainda – porque não tinha ideia do que escrever. E então surgiu essa questão. Eu não tenho a pretensão de escrever para ser entendido, eu escrevo para me entender. Entender-se é tarefa difícil, porque caímos nesse planeta e nem ao menos sabemos de onde viemos. Qualquer coisa que queira explicar é especulação. É tudo muito complexo. Até uma colher com que se adoça o café é algo complexo. Não se sabe por que o café fica doce, nós aceitamos a doçura sem que precise ser entendida, pois é boa.
Estou pensando em que título dar a isso. Qualquer coisa serve, porque isto não foi pretendido: foi sentido. E eu gosto daquilo que não se tem nome, nem face, nem pretensão. Daquilo que chega desavisado, como uma graça vertical que nos enche de prazer e incompreensão. A vida é uma grande incompreensão. E ainda não se sabe se somos nós que buscamos entender a vida ou a vida que busca nos entender. A vida é um grande enigma. Eu queria entender a vida, mas ela também quer me entender. Eu gostaria de alcança-la, no entanto ela não me encontra também.
Se eu pudesse escolher outra vida, eu de fato não saberia o que escolher. Porque eu ainda não sei quem eu sou e a que pertenço nesta atual vida. E também não haverá outra. E eu não entendo por que eu sou necessariamente eu e não um sul-africano de um metro e meio de altura que toca flauta. É tudo muito indefinível e perigoso. Viver é perigoso, tem-se um momento de descuido e pêi: de repente há uma vida ali. E a vida é tão egoísta e mesquinha: ela não pergunta se queremos nascer. Ela é um parasita intracorpóreo e precisa desesperadamente de alguém para viver dentro. A vida também vive e ela precisa de nós para viver, porque a vida sem nós está morta. E a morte da vida é algo fatal: não se pode mais trazer a vida à vida. Só a morte é imortal e ela é maior que a vida, pois ela não morre. E tudo que se faz na vida é para escapar da morte. A morte é poderosa, pois é eterna e a vida é fraca porque é curta. No entanto, a morte precisa da vida para ser morte. Não, claro que não. O que se tem antes da vida também é morte: morte é não existir. Mas se há vida, haverá morte e a morte é um paradoxo inexplicável: ninguém pode falar da morte porque não a conhece e quem a conhece nunca a conheceu, pois já morreu. A morte transcende o universo e cruza os séculos. A morte estava aqui antes de tudo e sem pretensão de nada. A vida então apareceu para dar pretensão a morte: matar. Das duas, a morte é a mais gentil: a morte não nos usa; a vida, sim. E eu acredito que depois da morte não se tem nada além da morte: um grande silêncio. A morte é a falta de sentido da vida: ela não oferece castigos nem recompensas. Viver não implica na morte. Viver implica na vida. A morte não tem nada a ver com isso.
Se eu pudesse escolher um lugar para morrer, escolheria o Egito. Lá, suponho que a morte seja mais valorizada. Acho que tem alguma afeição na mumificação. E em todas as lendas que rodeiam o ato de morrer. Ato não, fenômeno.
Não pensamos na morte, mas... também não pensamos na vida. Tudo é não pensar. Trata-se de acontecer, acontecimento. Estamos sendo pegos de surpresa pela vida e pela morte. Nem dar-se contas e já estar-se vivo; nem dar-se conta e já estar-se morto. É um evento que se passa despercebido. De repente viveu-se. E morreu-se.
A vida é puro ruído entre dois silêncios abismais. Silêncio antes de nascer, silêncio após a morte.” (Isabel Allende)

domingo, 4 de março de 2018

O espanto de não entender

Era uma tarde cálida, por volta de umas 17 horas. Eu caíra no sono como quem é acometido por uma doença instantânea ou por um feitiço. Não me dei conta de minha morbidez. O suor molhara o forro da cama e eu estava cheirando a suor: eu estava vivo!
O sono prosseguiu vazio, sem intuito, apenas um estado fisiológico normal. Mas o que se seguiu após ele foi o que se distancia da mais pura normalidade. Eu tive a graça da percepção da vida. Os lençóis úmidos, o cheiro de gente viva, o calor infernal e os sons da urbanidade pareciam a cena inédita de quem adentra no desconhecido: eu estava vendo a mim diante do mundo.
Num primeiro momento, pareceu natural ver-se como tal. Nada era mais que óbvio. A rotina monótona e a sede do sentido das coisas já não me causavam excitação. Eu já havia entregado o destino ao destino e aceitado aquilo que não posso mudar. Mas... Havia algo a mais, algo que não sei dizer com palavras, porque parecem poucas para descrever a sensação do choque diante de tudo que é grande.
Não, não aguentei. Levantei-me daquele poço de suor em que me encontrava, fui à pia do banheiro e decidi lavar o rosto. Eu precisava. Talvez passasse. Era só uma ressaca – mas eu não bebera (?). Não, não. Era cansaço. Cansaço e estresse; pesares do dia a dia. Eu estava lutando comigo mesmo para entender o que não pode ser entendido por uma mente humana. Era uma incógnita. Eu, que sempre fora ruim em matemática não poderia jamais saber da incógnita com que acordara. Sim, eu estava condenado a viver sem respostas para sempre. E isso é a melhor definição para solidão: não saber. Ou saber que nunca saberá. Isso é demais pra mim! Logo eu, que sempre detestara a ignorância de mim mesmo estava com um rolo a desenrolar em minhas mãos.
Eu abandonei aquela guerra inútil e fui tomar um café. Fiz café preto e forte. Tão preto que quem o bebesse diria que pus petróleo. Não. Pus raiva mesmo. Eu queria beber a raiva. A raiva de não saber. E digerir toda aquela raiva a fim de saber o que ela teria a me ensinar. Mas, eu já sabia que a raiva não ensina nada a ninguém. Talvez a dor que a raiva traz ensine, mas a raiva por si só é incapaz de ensinar.
Depois de todo aquele calor começou a cair uma chuva incompreendida. Por quê? Estava quente e agora faria frio. Eu já não compreendia mais nada. E havia baratas enquanto chovia. Aqui tem muitas baratas. E pareceu uma resposta... As baratas vivem há milhões de anos. Dizem que estão aqui desde ou até antes dos dinossauros. Elas viram o mundo nascer e morrer várias vezes. Elas sabem de coisas que não sabemos. Elas têm as respostas que poderiam pôr fim às guerras e às nossas angústias. Mas é impossível falar com uma barata - eu já vi um filme que um homem falava coma as baratas. Então passei a ter inveja das baratas: elas sabiam demais. Afrontavam a minha ignorância. Aí pensei em mata-las. Mas... Não, não! Isso é terrível. Não se mata o que não se entende. É isso que os bárbaros faziam na idade média: matavam quem detinham o entendimento. E isso não farei. Não matarei o que não entendo. Dessa forma, estaria morrendo pela minha própria ignorância.
Depois abandonei as baratas e olhei a chuva que caia sobre a janela. Havia trovões também. E a única coisa de que me lembro é que eu tinha medo. Não, não medo dos trovões. Eu tinha medo daquilo que pode gerar medo: a vida. Só sente medo aquele que está vivo. Sim, eu tinha medo do perigo, porque viver era perigoso e grande e eu senti o medo de se estar diante daquilo que é grande.
Aquilo era demais para mim. Abandonei meu café, joguei a xícara na pia com impaciência e medo e voltei ao meu quarto. Não havia como sair, a chuva não permitiria. Eu fiquei preso em casa e comecei a ler. E a pensar como seria se eu tivesse nascido noutro corpo, noutra era, noutro país... Talvez eu não fosse eu. E eu não sei a sensação que isso teria. E também não sei por que eu sou eu. É tudo demais para mim

domingo, 7 de janeiro de 2018

O que aprendi com Sartre

Quando você começa a estudar Sartre (Existencialismo) você é golpeado logo de repente: "não existe destino". Ou seja, não há propósito de nada, a vida é vazia mesmo.
Por mais que queiramos nos consolar com inúmeras crenças de que estamos sendo levado a um bem maior, a verdade é que o tempo está passando e só. O vazio da existência segue.
Você, diante disso, precisa escolher o que fazer da vida. E escolher, sobretudo, o que fazer do que a vida te fez.
Na prática, é muito simples: o que eu posso fazer dentro das minhas condições físicas e humanas e com os recursos que tenho agora? É tudo muito racional, pragmático.
O existencialismo pode ser um choque, principalmente a vertente Sartriana, por ser ateísta, porque ela nos tira da zona de conforto de achar que há um ser em algum lugar que tem tudo sob controle. Você começa a se sentir órfão: Deus morreu. Agora, o que devo fazer de mim? É como a maioridade, só que não acontece necessariamente aos 18 anos: ela vem no momento desse lampejo de consciência.
O que aprendo com isso? Que nós, dentro das nossas circunstâncias, somos responsáveis pela nossa vida por causa das nossas escolhas. Talvez não tenhamos o rol de escolhas que desejamos, mas sempre teremos a oportunidade de escolher, e isso é o que define a vida humana.
Assim, não há realização e plenitude humanas, porque nada está sob nosso controle, exceto o rol de escolhas de que detemos.
E escolher não significa garantias de sucesso. O próprio Sartre falou que para empreender não é preciso esperança.
Acho que foi diante dessa constatação que me encontrei na atual crise: eu não sei o que eu fazer comigo.
Eu vou deixar um trecho de um conto que tem por nome “O Homem que Apareceu” da minha escritora brasileira predileta, Clarice Lispector, que fala sobre a imprevisibilidade da vida; de que, como Freud dizia, a intenção da vida não é nos fazer felizes. A vida é amoral. Segue o trecho:
“[...] Ele chorou um pouco. Era um belo homem, com barba por fazer e abatidíssimo. Via-se que havia fracassado. Como todos nós. Ele me perguntou se podia ler para mim um poema. Eu disse que queria ouvir. Ele abriu uma sacola, tirou de dentro um caderno grosso, pôs-se a rir, ao abrir as folhas.
Então leu o poema. Era simplesmente uma beleza. Misturava palavrões com as maiores delicadezas. Oh Cláudio – tinha eu vontade de gritar – nós todos somos fracassados, nós todos vamos morrer um dia! Quem? Mas quem pode dizer com sinceridade que se realizou na vida? O sucesso é uma mentira.